Textinho do Carlos Drummond de Andrade
"Quem não tem namorado é alguém que tirou férias remuneradas de si mesmo. Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namoro de verdade é muito raro.
Necessita de adivinhação, de pele, de
saliva, lágrima, nuvem, quindim, brisa ou filosofia. Paquera, gabiru, flerte,
caso, transa, envolvimento, até paixão é fácil. Mas, namorado, mesmo, é muito
difícil. Namorado não precisa ser o mais bonito, mas aquele a quem se quer
proteger e quando se chega ao lado dele a gente treme, sua frio e quase desmaia
pedindo proteção. A proteção dele não precisa ser parruda, decidida ou
bandoleira: basta um olhar de compreensão ou mesmo de aflição. Quem não tem
namorado, não é que não tem um amor: é quem não sabe o gosto de namorar. Se
você tem pretendentes, dois paqueras, um envolvimento e dois amantes, mesmo
assim pode não ter um namorado.
Não tem namorado quem não sabe o gosto
da chuva, cinema, sessão das duas, medo do pai, sanduíche de padaria ou drible
no trabalho.
Não tem namorado quem transa sem
carinho, quem se acaricia sem vontade de virar sorvete ou lagartixa é quem ama
sem alegria. Não tem namorado quem faz pacto de amor apenas com a infelicidade. Namorar é fazer pactos com a felicidade ainda que rápida,
escondida, fugida ou impossível de durar.
Não tem namorado quem não sabe o valor
de mãos dadas: de carinho escondido na hora em que passa o filme: de flor
catada no muro e entregue de repente, de poesia de Fernando Pessoa, Vinícius de
Moraes ou Chico Buarque lida bem devagar, de gargalhada quando fala junto ou
descobre a meia rasgada; de ânsia enorme de viajar junto para a Escócia ou
mesmo de metrô, bonde, nuvem, cavalo alado, tapete mágico ou foguete
interplanetário.
Não tem namorado quem não gosta de
dormir agarrado, fazer cesta abraçado, fazer compra junto. Não tem namorado
quem não gosta de falar do próprio amor, nem de ficar horas e horas olhando o
mistério do outro dentro dos olhos dele, abobalhados de alegria pela lucidez do
amor. Não tem namorado quem não redescobre a criança própria e a do amado e sai
com ela para parques, fliperamas, beira d'agua, show do Milton Nascimento,
bosques enluarados, ruas de sonhos e musical da Metro. Não tem namorado quem
não tem música secreta com ele, quem não dedica livros, quem não recorta
artigos, quem não chateia com o fato de o seu bem ser paquerado.
Não tem namorado quem ama sem gostar;
quem gosta sem curtir; quem curte sem aprofundar. Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de ser
lembrado de repente no fim de semana, na madrugada ou meio-dia de sol em plena
praia cheia de rivais. Não tem namorado quem ama sem se dedicar; quem namora
sem brincar; quem vive cheio de obrigações; quem faz sexo sem esperar o outro
ir junto com ele.
Não tem namorado quem confunde solidão
com ficar sozinho e em paz.Não tem namorado quem não fala sozinho, não ri de
si mesmo, e quem tem medo de ser afetivo.
Se você não tem namorado porque não
descobriu que o amor é alegre e você vive pesando duzentos quilos de grilos e
de medo, ponha a saia mais leve, aquela de chita, e passeie de mãos dadas com o
ar. Enfeite-se com margaridas e ternuras, e escove a alma com leves fricções de
esperança. De alma escovada, e coração estouvado, saia do quintal de si mesmo e
descubra o próprio jardim. Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem
passe debaixo da janela. Ponha intenções de quermesse em seus
olhos e beba licor de contos de fada. Ande como se o chão estivesse repleto
de sons de flauta e do céu descesse uam névoa de borboletas, cada qual trazendo
uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanteira: Se você não tem namorado é porque ainda não enlouqueceu
aquele pouquinho necessário a fazer a vida parar e de repente parecer que faz
sentido. Enlou-cresça."
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